Making-of: A capa de CONTRATEMPO!

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Após a confecção das ilustrações do livro "As Aventuras de Mário Mico" (veja aqui), recebi mais um pedido literário. Desta vez, o desafio era criar a capa do romance "Contratempo", da escritora Ivi Campos (SP).

Trata-se de uma história que fala dos encontros e desencontros de um casal apaixonado. O tempo é um dos protagonistas da trama. Um pensamento óbvio vinha à mente, e era também uma preferência da autora: o uso da imagem de uma ampulheta na ilustração.

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Confesso que eu não dei muita atenção à essa ideia por causa do evidente clichê. Porém, no dia seguinte, vi que poderia ser criativo e usar o clichê em meu favor. Mas havia um grande problema: onde conseguir uma ampulheta vistosa, que merecesse ser capa de livro? Não queria usar fotos de bancos de imagens como base da criação. Foi quando decidi começar do zero, criando minha própria ampulheta.

Neste artigo, vamos seguir um passo-a-passo do processo criativo que me levou a este resultado.

A primeira providência foi criar a imagem-base para a construção da ampulheta. Pensei em montar um modelo em 3D, e após pesquisar algumas imagens na net para ter um parâmetro visual, percebi como ampulhetas lembram taças! Então, mudei de ideia e decidi simplificar, usando uma taça de vinho para iniciar a criação. Fui à cozinha e peguei uma das minhas taças. Posicionei-a contra um fundo branco, com iluminação lateral difusa e fraca para manter a textura do fundo e permitir a visualização dos reflexos do vidro. Com anteparos pretos criei algumas áreas de sombra e eliminei alguns brilhos indesejados. Obviamente, fotografei em raw. Usei uma câmera com sensor full-frame (Nikon D600) para garantir a máxima qualidade de imagem. A lente escolhida foi a Sigma 105 2.8 Macro DG EX, um ótimo equipamento que faz parte do meu set há bastante tempo, perfeita para fotos still-life. Os ajustes foram f/4.5, 1/125s, ISO 200.

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No Adobe Camera Raw efetuei alguns ajustes de contraste, mas apenas o necessário para deixar brilhos mais visíveis e destacar as sombras da parede, que ajudariam no processo mais tarde. No Photoshop, abri um novo documento seguindo as recomendações do editor para o tamanho da capa. Usei o espaço de cor Adobe RGB 1998, que é o que eu uso com maior frequência em meus trabalhos por permitir um bom gamut de cores. Dupliquei a taça e inverti a cópia verticalmente para criar o shape da ampulheta. Ajustei o encaixe entre as duas imagens e eliminei alguns reflexos do lado direito e na parte inferior para equilibrar as luzes do ambiente e normalizar as reflexões no vidro.

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Criei luzes por trás da ampulheta usando Levels e uma Layer Mask. Com este ajuste foi possível separar a ampulheta do fundo, dando um aspecto mais tridimensional à cena, já pensando na aplicação da palavra "Contratempo" por trás do vidro, em segundo plano.

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Decidi por não criar uma ampulheta tradicional de areia, para tentar fugir do clichê óbvio. Como a história é um romance, achei que seria mais interessante substituir a areia por água, dando mais fluidez e suavidade ao tema. Na verdade, ampulhetas de água existem, e são ainda mais antigas do que as de areia. São as clepsidras, cujo exemplar mais antigo data de 1400 a.c., encontrada em escavações no Egito. Eu precisava então de elementos que representassem a água dentro dos vidros. Selecionei uma das minhas fotos de arquivo onde há gotículas de água desfocadas, e apliquei à câmara inferior da ampulheta usando uma Layer Mask.

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Inseri um "splash" usando uma imagem de banco de imagens gratuito e uma Layer Mask para integrá-la à cena.

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Para aumentar a sensação de "pingo d´água", anexei um pequeno pedaço de um "splash" que fiz há algum tempo. Este respingo é fundamental para trazer dinâmica de ação ocorrendo dentro do vidro.

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Na parte superior da ampulheta, inseri outra imagem de bancos gratuitos, com uma suave superfície de água.Também inseri os mesmos reflexos de gotas desfocadas que usei na parte de baixo. Novamente, uma Layer Mask permitiu a fusão das imagens com suavidade.

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Nota-se que, até aqui, as cores, brilhos e contrastes estão em completo desacordo entre as imagens utilizadas. Um leve ajuste no contraste iniciou o processo de equalização dos tons e luzes.

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Para dar um aspecto mais natural na iluminação, inseri brilhos calculados, com luzes vindo do lado esquerdo. Usei Levels para aumentar o brilho e uma Layer Mask para direcioná-lo aos locais certos.

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A autora gosta muito da cor azul, e achei interessante usá-la na composição. Converti a imagem para preto-e-branco usando uma Adjustment Layer e apliquei um Tint azul, ao estilo da Cianotipia. Dessa maneira, equalizei em definitivo todos os tons diferentes das imagens utilizadas nas mesclas. Este passo foi fundamental para alcançar o efeito desejado na composição.

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Mais um ajuste de contraste para aumentar a dinâmica entre luz e sombra e consolidar a equalização de cores. Pronto, todas as mesclas estão trabalhando em conjunto agora!

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Vamos aos passos finais. Inseri o título da obra como uma camada de texto comum, mas alterei a parte central da palavra para simular um efeito de reflexo por dentro do vidro. Este efeito foi conseguido através da deformação de uma camada que continha apenas as letras centrais. O ajuste de transparência desta camada trouxe a sensação de estar passando por dentro do vidro. O brilho central aplicado no início da edição criou um espaço adequado para o título, que se posiciona claramente entre o fundo e a ampulheta em uma sensação tridimensional.

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Usando a mesma fonte tipográfica, inseri o nome da autora, Ivi Campos.

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Em meu workflow, tenho o costume de finalizar trabalhos de montagens com uma camada superior de granulação bem fina, que serve para harmonizar os diversos tipos de texturas das fotos mescladas. Como cada foto é distinta, seus ajustes de ISO e eventuais alterações de escala certamente trarão grãos diferenciados, e isso aumenta a impressão de "montagem descuidada". Essa camada final harmoniza e iguala estas granulações, dando um aspecto final mais íntegro e realista.

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Este é o resultado final. Uma ampulheta fluída, criativa e distante de um clichê! Meus processos criativos procuram seguir passos integrados e suscessivos tendo sempre em mente uma prévia da imagem final já idealizada, e às vezes procuro meios de chegar neste objetivo à medida que a imagem se forma. Neste trabalho, a maior parte do processo já estava presente na minha cabeça de forma bem definida, o que contribuiu para um desenvolvimento relativamente rápido: foram aplicadas cerca de 6 horas não sequenciais para sua confecção. Considerando que algumas criações pessoais já me tomaram dias de "labor cerebral perfeccionista", esta foi uma boa marca!

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O livro "Contratempo" pode ser adquirido no site WWW.CLUBEDOSAUTORES.COM.BR.


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