Making-of: A Sereia!

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Ultimamente tenho navegado numa onda interessante, produzindo artes que mesclam recursos do "mundo real" e do "mundo digital". As ferramentas de desenho e pintura digital são muitas e podem simular vários efeitos reais, mas há coisinhas impossíveis imitar. Uma delas é a textura dos grandes papéis e suas reações aos pigmentos, pressão da mão e outras variações, dando à obra características únicas (sinto muito, digital, mas isso você não terá nunca!!!). E é por isso que resolvi mesclar estes dois mundos com o melhor de cada um. Adoro experiências visuais, e estas estão me deixando muito feliz.

Outro fator importante nestes estudos, e que influencia muito na minha fotografia, é o treinamento visual. Como tenho que partir do zero em cada criação, preciso definir mentalmente as interações entre luzes, sombras, formas, texturas e ambiente. Isso é bem louco, exigindo um domínio de algo que não existe, pois está apenas na mente. Preciso exercitar a abstração montando um cenário mental completo, onde todos os elementos interagem. A partir daí, transfiro as ideias para o papel, levando toda uma abstração para o mundo físico.

Como a fotografia é algo bem mais objetivo (afinal, as coisas já estão lá), penso que estes exercícios de lápis-e-papel são de grande ajuda para tornar um simples registro fotográfico em algo mais artístico. Acredito que quando amplio o domínio da luz, das sombras e de vários outros aspectos visuais (perspectiva, desfoques, semiótica, etc.) no campo do abstrato, se torna muito mais fácil lidar com eles no mundo real. Essa é a minha abordagem.

A Sereia: o início!

Vamos falar desta arte tentando traçar um paralelo com a fotografia, ok? Afinal, me baseio nestes estudos para tentar chegar a registros fotográficos cada vez mais pessoais e distantes do lugar comum.

Pois bem, nessas misturas que tenho feito um dos requisitos básicos, do qual não abro mão mesmo, é o uso de bons papéis como base de tudo. Mesmo que a arte seja depois levada ao mundo digital, preciso que a riqueza das texturas reais esteja lá. Nesta Sereia usei um papel interessante, fabricado no Brasil e com uma textura bem bacana, o Filiard Renaud Profissional, da Filipaper. Ele possui fibras longas de algodão compondo 30% da sua estrutura. É bem econômico, fácil de achar e possui um peso adequado.

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Normalmente uso papéis mais nobres, mas a verdade é que cada arte se beneficia de um tipo de papel, assim como cada fotografia se beneficiava de um tipo de filme. Não sou neurótico quanto ao fabricante, mas procuro boas texturas e peso: evito usar papéis muito lisos ou com menos de 200 gramas/m2. Gosto mesmo é dos monstros pesadões e rústicos, com um mínimo de 300gr/m2, como o Canson Montval ou o Aquarelle. Esta relação com papéis tem reflexo nos meus prints fotográficos em Fine Art, onde também prefiro papéis nobres e pesados, como os clássicos Cotton e Rag, com suas texturas e densidades únicas. O resultado final é excepcional. Ultimamente tenho usado bastante os alemães da multicentenária Hahnemühle.

Grafite

Como sempre faço, usei apenas grafites macios sobre o papel, e estes foram escolhidos pela suavidade:

  • Koh-i-Nor Hardtmuth 8B e 9B
  • Mercur Technik 9B
  • Estacas Faber-Castell Pitt 9B
  • Minas Trident 2B

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Estes grafites deixam uma bela granulação natural sobre a textura do papel, garantindo uma estética que prezo muito: meio suja e até certo ponto, grosseira. Combinação matadora! Dá até arrepio. Ultimamente tenho usado pincéis duros (cerdas de porco ou de camelo) para suavizar o grafite, "pintando-o" sobre o papel.

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O design

Pensei nessa sereia como algo muito fluido, com movimentação livre dentro d´água, vista na linha dos olhos do observador, como se estivesse nadando junto à ele. Usei muitas sombras na arte em papel, já pensando em inundar com luzes na finalização. É como fotografar com luzes mais fechadas para evitar a perda de detalhes nas altas luzes, um recurso trivial na fotografia. Também optei por um design geral suave, limpo e clássico, como uma mistura simples de mulher e peixe, sem interações além da fusão de dois corpos. Sem frescuras e malabarismos visuais aqui.

A captura

Gosto de usar a câmera fotográfica para capturar meus desenhos. Acho mais natural e orgânico do que digitalizar em um scanner. Além do mais, as lentes deixam leves "imperfeições", como pequenos desfoques, variações de luminosidade ou deformações de borda que influenciam no resultado final, coisas que um scanner não faria. Isso é um "plus" ganho pela interação da fotografia com o desenho, e acho isso o máximo. A câmera também facilita a captura do formato A3, o que eu mais uso. Sempre faço a foto em Raw / 16 bits / 36 MPx / AdobeRGB / 300 dpi, mas às vezes interpolo para 50 ou 60 MPx diretamente na conversão do Raw. Haja memória, mas vale a pena. Já tentei trabalhar com 600 ou 1200 dpi, mas o ganho de qualidade na impressão não foi tão relevante. 300 dpi basta.

O tratamento

Parto sempre de uma ideia prévia. A arte no papel sempre vem de algo pensado. Enquanto a edição digital segue, as ideias se encaixam com facilidade, pois já existem na mente. Vou apenas encaixando cores, luzes e sombras tentando retratar o que vejo internamente. Entendo que depois que uma ideia visual é concebida há um total domínio mental dela (como se fosse um "3D Virtual"), então fica fácil imaginar diversas situações antes de efetuar algo na prática.

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Nessa arte eu queria suavidade e fluidez, daí as luzes vazando a água pelo topo, criando um cenário surreal mas típico de cenas subaquáticas. Fiz isso com desfoques e modos de mesclagem no Photoshop. A gravação final, obviamente, foi feita em TIFF para garantir o melhor resultado possível na minha printer. Nada de JPG, principalmente por causa dos degradées suaves.

Estética

Curto bastante estéticas sujas com grãos aparentes, traços perdidos, luzes e sombras borradas. Reforcei a granulação com técnicas que aplico também em minhas fotos, pois sou louco pelo "estilão visual" dos filmes clássicos de alta sensibilidade. Mas é claro que os grafites e texturas naturais do papel ajudaram, fornecendo uma granulação natural logo de cara!

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Os efeitos loucos da luz sob a água também abriram possibilidades bem legais, com reflexos inusitados por todo lado. Tentei imaginar como seriam estas reflexões aquáticas sobre as texturas de pele, escamas e cabelo, e me senti bastante livre para brincar com isso. Uma coisinha importante: não me prendi de forma alguma ao super-realismo, coisa que não gosto muito. Não acho que as artes visuais manuais precisem imitar o mundo real. Então, nem liguei para falhas no design dos reflexos, apenas me diverti criando algo bem solto. Me preocupei mais com a dinâmica de movimento. Com a simples aplicação de tintas brancas com "brushes" comuns e transparências, cheguei onde eu queria.

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Os conceitos de "Original Inicial" e "Originial Definitivo"

Isso é meio doido. A princípio, é comum considerar que, no mundo digital, não há "originais". Apenas no mundo real se poderia criar algo único (hmmm... sei, sei...). Mas ao desenvolver este conceito, considero uma inversão dessa regra: o desenho inicial, que faço no papel, é como um Original Inicial, que ainda será modificado para resultar em algo novo, único e distinto.

Por essa lógica considero que o Original Definitivo é aquele que deriva do ambiente digital, cuja finalização corresponde à impressão final após efetuadas as devidas mudanças em sistemas de edição. Aí sim, terei o tão sonhado "original", no pleno sentido do termo.

Neste conceito a arte inicial, em papel, é apenas a metade do caminho, por melhor ou mais bem acabada que esteja. O Originial Definitivo poderá ser re-impresso quantas vezes for preciso, só não poderá ser alterado após a primeira impressão. Tá, não precisa entender ou aceitar, é apenas uma abordagem que agrego atualmente às minhas artes. Amanhã pode até mudar, talvez.

Fotograficamente...

Estes estudos me ajudam muito a lidar com a luz quando fotografo. Iluminar uma cena ou captar luzes naturais ficam mais interessantes para mim quando penso na foto como penso nos meus desenhos. Detalhes como distância entre luz e objeto, tipo de difusão, dispersão, reflexos, interações entre materiais no ambiente e mais uma gama de fatores ficam na "ponta da língua" e a fotometria se torna mais livre e confortável, valorizando a ideia pré-concebida antes do click.

Bem, funciona assim para mim, e sou muito grato por poder contar com estes recursos que me acompanham desde criança. Me lembro bem dos meus estudos, ainda moleque, com meu irmão e meu pai. E naquele tempo nós três já debatíamos os mesmos temas, quando desenhávamos juntos. Quase posso ouvir nossas conversas:

- E essa luz vazando na borda dessa mão, como fica?
- Como se faz esse brilho no cabelo louro? E no castanho?
- Se essa roupa é azul a sombra também ficará na cor complementar?
- De onde vem esta luz na dobra desse tecido?
- E aquela montanha ao fundo, qual será sua cor?

Estes conhecimentos são muito valiosos para minha fotografia, pois essa sempre foi minha escola. Nos meus cursos de fotografia insiro muitas das minhas experiências da arte para enriquecer o ensino, e tem dado excelentes resultados. A fotografia acaba indo para outro nível, abrindo portas para muito além dos conceitos acadêmicos, basicões, tradicionais e... (porque não?), limitantes.

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