A boa composição fotográfica e a metáfora visual

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©Hudson Malta

Olá, amigos da fotografia!

Aposto como recentemente você acessou mais um daqueles blogs que prometem falar sobre composição fotográfica e viu, pela zilionésima vez, mais um texto ou vídeo falando sobre “Linhas”, “Regra dos Terços”, “Proporção Áurea” e blah blah blah. Acertei?

Não tiro o mérito dessas informações, claro, elas são verdadeiras. E eu as ensino em nosso Curso Integral de Fotografia, claro! Mas garanto à você: Há MUITO mais a dizer (e aprender!) sobre composição fotográfica do que toda essa repetição incansável e incompleta da mesmice de sempre.

Pra falar a verdade, fico até meio constrangido quando vejo isso sendo repetido zilhões e zilhões de vezes por aí como se fosse o Santo Graal da fotografia, ou como se compor bem fosse tão simples. Não, não é mesmo. Como disse o filósofo, "O mundo é bão, Sebastião. Mas é maior do que aquilo que disseram à você."

Então, resolvi escrever algo diferente sobre composição, um tema que sempre me atraiu muito. Sou fascinado pelas “entrelinhas” da imagem, e sempre valorizei o poder de linguagem que a arte gráfica possui. Tudo está baseado na Semiótica, que é um assunto pra lá de amplo, mas neste artigo concentrarei em um pequeno grupinho de ferramentas-conceito que fazem bastante diferença. Há muitas outras relacionadas, mas para simplificar ficaremos apenas nestas seis. São elas:

  • Signo
  • Ícone
  • Símbolo
  • Significado
  • Contexto
  • Intenção

Estes conceitos fazem parte da Semiótica, um braço da filosofia que estuda nossa relação filosófica, psicológica e prática com os significados das coisas. Analisaremos aqui alguns elementos de forma prática, de maneira que seja útil naquela nossa busca por uma fotografia sempre melhor. E tudo pode começar com a metáfora visual.

O que é metáfora?

É uma das muitas figuras de linguagem. Corresponde à uma representação de algo através de outra, feita por relações de semelhança em sentido figurado. Isso ocorre em todas as artes, não apenas nas visuais. E usamos isso até na linguagem diária. Exemplos:

“João carrega a família nos ombros.”
Será o João tão forte assim para aguentar tanta gente sobre suas costas?

“Uma hora ele chutará o pau da barraca.”
Por que não às duas ou três horas? Quem montou a barraca ficará irritado com esta atitude?

“Os ratos tomaram o poder.”
Como estes ratos conseguiram tal feito? Mutação genética com aumento das suas capacidades cerebrais e físicas? Ou esse “poder” é o nome de algum produto que eles ingeriram (ou “tomaram”)?

“O verão chegou arrebentando.”
Cuidado, as altas temperaturas da estação estão explodindo todas as coisas nesta temporada.

“Os últimos serão os primeiros.”
Houve alguma inversão na fila? Todos deram meia-volta? Ou os caixas do banco vão atender as pessoas iniciando pelo último da fila?

Tudo isso é metafórico, ou seja, não representam diretamente aquilo que indicam, mas “conseguem dar nomes aos bois”. Viu? Mais uma metáfora: Bois? Que bois? No final, através da linguagem figurada, conseguimos entender a mensagem perfeitamente!

Tentar interpretar literalmente uma metáfora resulta em não entender a mensagem. E para que esta mensagem seja bem transmitida é preciso que vários elementos estejam funcionando bem, atuando de forma precisa. É aí que entram as ferramentas que são tema deste artigo!

Há várias outras figuras de linguagem além da metáfora (hipérbole, mesóclise, metonímia, silepse, hipérbato, paradoxo, eufemismo, etc) que podem ser aplicadas à fotografia, mas isso é assunto para outros (muitos...) artigos, senão podemos confundir as bolas. Opa, olha aí mais metáfora! Bolas? Que bolas???

A metáfora na fotografia


Sendo uma arte visual não sequencial e construída exclusivamente por simbologia gráfica, a fotografia se coloca como uma das mais difíceis formas de comunicar algo. Porém, é uma das mais eficientes quando as coisas funcionam! Grandes fotógrafos sempre se valeram de metáforas visuais para aumentar o impacto das suas mensagens, e foi justamente isso que levou a fotografia à níveis tão altos de encantamento ao público. Imagens inteligentes, bem construídas e impactantes nunca saem da nossa cabeça, e sempre nos trazem a lembrança daquilo à que ela se relaciona. Sempre!

É óbvio que também há um outro lado, muito mais direto e prático na fotografia, que é o puro e simples registro de um momento no tempo. Tudo bem, essa é, de fato, uma das suas funções originais: guardar um momento, sem que seja preciso um significado alternativo para aquela cena. A metáfora não precisa ser necessariamente utilizada nestes casos.

Talvez esta seja uma das mais interessantes características da fotografia, servir a dois propósitos tão distintos. Um é utilitário, sem outra necessidade que não seja prática e direta. O outro é subjetivo, e consegue nos fazer pensar em algo que está além dos gráficos presentes na imagem. Para estes casos tão especiais, a metáfora é, entre muitos outros, um dos recursos essenciais.

Opa, isso também se relaciona com a Fine Art! Saiba mais sobre isso clicando aqui!

Vamos analisar esta foto, que fiz no Museu do Ipiranga (São Paulo/SP) há algum tempo. Por coincidência, o momento atual pelo qual o país passa se mostra perfeito para nossas análises. Vamos lá!

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Signo

Na fotografia, é o que está ali para representar algo da realidade. É aquilo a que é atribuído algo, um valor ou sentido. É o símbolo gráfico ou efeito ali representado, a imagem ou representação do elemento propriamente dito, aquilo que é mais básico na imagem. Eles não trazem nenhuma outra representação secundária, apenas referem-se a si próprios.

“A bandeira”
“O vento”
“O fogo”
"O céu"
"A pira"


Ícone


É o objeto representado, aquele que leva um conjunto de características interpretadas por sua natureza primária, criando conexão com o símbolo.

“O fogo é um fenômeno físico de transformação energética pela combustão. O fogo é o fogo em si, e age como tal.”
“A bandeira é um artefato de tecido fino e leve e tremula com o vento. A bandeira é a bandeira em si, e age com tal.”
“O céu é o que vemos da atmosfera que cobre o planeta. O céu é o céu em si, e age com tal.”


Símbolo

É a ideia representada, a referência à “algo”. É a parte essencialmente subjetiva, pois não possui relação com aquilo que representa quando fora do campo das ideias.

“O fogo destrói ou renova.”
Ora, mas não era apenas um fenômeno físico?

“A bandeira é o símbolo de uma nação.”
Ora, mas não era apenas um pedaço de tecido?

"Do firmamento podem vir pesadas tormentas catastróficas ou o calor protetor do sol."
Ora, mas não era apenas a atmosfera visível?

Significado

É o conteúdo, o conceito, aquilo que está contido no campo da ideia, aquilo que possui sentido pela soma simbólica dos outros elementos e que desejamos que se forme na mente de quem recebe a mensagem. É dependente do contexto e representa o que queremos como resultado final.

“A política nacional está em crise. O horizonte está cinzento.”
“A torcida está agitando o time para vencer este campeonato.”
“Nossas florestas estão sendo destruídas. A fuligem infesta o ar.”


Contexto

É aquilo que envolve o fato registrado ou a sua exposição. O significado dos elementos pode mudar em função do contexto. Uma mesma imagem poderá ser interpretada de maneiras diferentes, de acordo com a situação, espaço ou momento no qual está inserida.

Contexto 1:
“No panorama político atual, a nação está em agitação e mudanças acontecerão. Como ficará o país quando tudo isso passar?”

Contexto 2:
“O time brasileiro de vôlei segue imbatível na Liga Mundial. Ninguém segura este time, e sua vitória está garantida.”

Contexto 3
“As queimadas nas florestas brasileiras trazem prejuízos incalculáveis à biodiversidade da nação.”

Perceba como a foto da bandeira se encaixa nos três contextos! E encaixaria em muitos outros mais.

Intenção

É a vontade do autor, os motivos que conduziram o fotógrafo a construir a imagem daquela forma. Se o resultado foi atingido conforme se desejava, é um sinal de que os elementos de comunicação foram corretamente combinados e funcionaram. Mas isso pode não ser intencional também. Neste caso quem está agindo são os mecanismos do subconsciente, levando o autor a tomar certas decisões de composição, mesmo que não perceba.

Em outra espiral de pensamento, há quem considere a intenção como a grande mola propulsora do autor, aquela força que faz com que ele saia da cadeira e produza algo. Acredito nisso, e se ela for sincera, certamente o resultado será relevante. Mas na Semiótica, pensando puramente na composição, as coisas são menos "Fada Sininho" e mais "Capitão Gancho". A intenção é puramente um conjunto de motivos que levam o autor a seguir um determinado caminho, tanto prático quanto conceitual. Reto e rasteiro.

E na prática?

Eu costumo isolar os elementos presentes na cena (falo dos elementos semióticos em análise aqui!) para facilitar a combinação mais adequada. Ao simplificar, as coisas ficam mais fáceis. Na maioria das vezes eu não costumo buscar o significado primeiramente, mas sim tentar encontrar algo que faça sentido à uma determinada cena que vejo. Primeiramente, a cena me atrai. Depois disso, eu vejo o que posso fazer com ela, e finalmente vem o click. Percebo a cena, tento buscar na memória algo que se conecte com ela e tento combinar os elementos de forma que isso aconteça. Regular a câmera e apertar o botão vem depois disso.

Em algumas situações já saio de casa com uma intenção em mente, e normalmente os resultados seguem o que eu espero. A observação das coisas ao redor fica mais concentrada, como se você estivesse “programado” para ver apenas aquilo que deseja ver.

É por isso que valorizo tanto o Círculo de Excelência...

...e também o Estado de Fluxo! Confira, vale a pena!

Nesta foto em análise, quando vi a cena, pirei. Não poderia deixar de fazer o registro, mas confesso que nem foi tão difícil pensar em algo que não fossem as tão complicadas condições brasileiras. Acho até que, para isso, nosso país ajuda bastante, infelizmente...

Os Elementos Formais

Bem, agora eu vou fazer uma breve ressalva em minhas próprias palavras. Lá em cima, no início do artigo, eu praticamente pisei e sapateei sobre o que chamamos de Elementos Formais da Composição (Regra dos Terços, Linhas, etc). Ok, foi apenas para dar um toque rebelde, admito. Justiça seja feita: estes elementos, embora básicos na fotografia, assumem um papel muito importante na composição. Na verdade, eles precisam funcionar em conjunto com elementos mais avançados e sutis.

A propósito, os Elementos Formais estão dentro da Semiótica também, é claro. Então, vamos entender assim: Eles funcionam, são importantes, mas não sintetizam tudo que a BOA COMPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA precisa para funcionar. Quando se fala de recursos básicos, tudo bem. Mas há muita coisa além deles para ser entendida e utilizada em conjunto. Estou perdoado?

Ahh, então peraê! Seria essa "depreciação" lá do início algo calculado, um truque da composição de texto fazendo uso de uma figura de linguagem qualquer para ressaltar a qualidade de algo em detrimento de outro? Uma Hipérbole ou Paroxismo, talvez? Hmmm, possivelmente. Viu como realmente funciona? Mas só dá certo quando se sabe o que está fazendo.

Finalizando: A Estante Interna

Em meus cursos sempre falo de uma “estante interna” que todos possuem. É onde guardamos nossas experiências emocionais, físicas, sociais, lúdicas, etc. Esta tal “estante” compõe toda a nossa base de experiências, e sempre é consultada na hora de montar uma “história fotográfica a ser contada”. Ela também será utilizada por quem vê sua foto, servindo de referência para interpretar tudo que ele vê na imagem.

Em minha abordagem pessoal gosto de considerar que o receptor da mensagem também é "contexto", pois ele traz em si uma série de condições bem distintas para uma interpretação toda pessoal, podendo mudar todo o siginficado que se pretende impor à imagem. (Cá pra nós, um bonito e sublime perigo!)

A interpretação é, portanto, uma via de mão-dupla formada pelas experiências do autor somadas às de quem recebeu a sua mensagem. Então, o uso esperto dos elementos de composição se torna fundamental para transmitir a sua mensagem corretamente, reforçando as ideias ali contidas e contribuindo para que sua linguagem fotográfica seja mais convincente. No extremo, pode até anular a "estante interna" do receptor. Isso é muito poder, mas talvez esteja nas mãos de poucos.

Obviamente, quanto mais cheia estiver sua “estante” e quanto maior for o domínio dos elementos de comunicação, melhores serão as histórias que você contará fotograficamente! Agora fica fácil entender por que a BOA FOTOGRAFIA é muito mais do que um simples apertar de botões, e o quanto ela exige de conhecimento. Também fica muito fácil entender como é vasto o mundo além do “Terço”, das “Linhas” e de todo aquele conjunto de ferramentas básicas. Bastante eficientes, mas básicas.

É assim que procuro criar minhas fotografias! Se consigo ou não, já são outros quinhentos. E vale também para meus desenhos e pinturas. Valorizo muito a composição aprofundada, e procuro passar isso aos meus alunos. Este artigo trata apenas de uma minúscula pontinha de alfinete sobre o tema, mas já deve despertar a curiosidade para algo muito maior. Analise e critique suas imagens com sinceridade e frieza, e estude os trabalhos de outros criadores. Tente decifrar os truques visuais, as mensagens e as intenções deles, em várias imagens diferentes. Este exercício certamente será muito útil e revelador para você!

Paz e boas fotos!

Hudson Malta


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